6 minute read

A partir de uma conversa de twitter, um aluno de doutorado levantou a seguinte pergunta para um grupo de amigos pesquisadores:

“Aos colegas que já são doutores: É normal passar pela síndrome do impostor? Caso você passou, como superou?”

Nos juntamos em um grupo e cada um foi colocando seus pontos de vista sobre o assunto. Depois de algumas argumentações fiz umas considerações mais longas, mais ou menos na linha do que segue:

De fato essa questão da síndrome do impostor é algo muito pessoal, acho normal porque vejo muitas pessoas na academia sofrendo com isso. Nunca foi algo que me afetou muito, nem mesmo durante o doutorado.

Uma forma de pensar que acredito me ajudar a não embarcar nessas espirais negativas é que, quando me questiono sobre o meu trabalho, sempre é no sentido de procurar achar ações concretas que eu possa fazer para melhorar o trabalho.

Se eu não conseguir enxergar ações concretas dentro do meu alcance, de maneira clara, então todo aquele questionamento é só auto sabotagem e não vale a pena se afundar nisso. Entrega o trabalho como está e segue em frente.

No fim das contas, acho sempre bom dar uma olhada para a origem da angústia, e a síndrome do impostor me parecer vir de um posição de mente em que você acha que não é digno de algo, ou que o seu trabalho não é digno de reconhecimento. Mas daí é uma boa se perguntar quais os seus critérios para que você e o seu trabalho sejam dignos.

Não faz tanto tempo que terminei meu doutorado, então é bem fácil me colocar no lugar de alguém que está tocando um. Normalmente a aceitação de artigos é uma questão crítica, principalmente quando o programa exige isso para defesa da tese. Sendo assim, acho que essa é uma boa medida.

Com o trabalho contínuo, muitas rejeições e o passar do tempo, seus artigos mais cedo ou mais tarde serão aceitos.

Quando isso começa a acontecer, agora é sua vez de aceitar que seu trabalho tem relevância ao menos para aquela comunidade. Se estão te convidando para publicar algo em uma revista ou se apresentar em uma conferência é porque querem escutar o que você tem a dizer. Aceite isso.

Delegar sua confiança ao reconhecimento de seus pares pode ser algo perigoso, mas acho que pra ser bem pé no chão, nessa fase de doutorado, em que ainda se está aprendendo a ser um pesquisador, não tem muita saída.

O Nassim Nicholas Taleb levanta uma questão mais profunda e é bem crítico sobre depositar o sucesso de sua carreira como pesquisador aos seus pares. Para ele esse critério só evidencia uma total falta de “Skin in the Game” do mundo acadêmico.

Sou muito simpático a essa visão do Taleb, principalmente porque apesar de estar no mundo acadêmico atualmente, já atuei na indústria de software como desenvolvedor, arquiteto de software e gerente de projetos por algo em torno de oito anos. Mão na massa total. Ainda assim, pra chegar nessa posição, o Taleb teve que ralar muito. Afinal, ele tem doutorado e foi professor de várias grandes universidades. Teve que conhecer o jogo por dentro e ter um forte embasamento antes de sair tecendo suas críticas mais contundentes.

No livro Homo Ludens, o historiador/filósofo holandês Johan Huizinga argumenta como pode ser danoso para si mesmo se propor a participar de um jogo e durante o andamento desse jogo ficar se opondo às regras do mesmo.

“O jogador que desrespeita ou ignora as regras é um “desmancha-prazeres”. Este porém difere do jogador desonesto, do batoteiro, já que o último finge jogar seriamente o jogo e aparenta reconhecer o círculo mágico. É curioso notar como os jogadores são muito mais indulgentes com o batoteiro do que com o desmancha-prazeres; o que se deve ao fato de este último abalar o próprio mundo do jogo… Torna-se, portanto, necessário expulsá-lo; pois ele ameaça a existência da comunidade de jogadores.”

Johan Huizinga — Homo Ludens

Pois é, as pessoas tendem a ser mais simpáticas com quem fica enrolado e burlando o jogo, mas mantendo a aparencia de que o joga ele, do que quem respeita mas questiona a realidade do jogo. O ser humano tem muita coisa boa, mas também tem dessas.

Por isso acho que uma visão mais crítica à academia não é muito útil e prática pra um aluno que pretende terminar seu doutorado e seguir sua carreira, seja na academia ou fora dela. Acho até que pode gerar mais peso e ansiedade, porque além de ter que atender ao crivo da comunidade científica, ainda pode vir a se cobrar baseado em critérios mais amplos.

Depois que você tiver participado e entender bem a dinâmica e o método científico, aí sim é mais razoável “chutar o balde” como o Taleb fez, pois são críticas com propriedade e embasamento. Do contrário, muito provavelmente é só arrogância e falta de conhecimento, e dificilmente vai levar a canto algum.

Para se ter uma ideia da dificuldade que é o mundo acadêmico, na Biografia de Einstein, escrita por Walter Isaacson, ele conta os perrengues que Einstein passou pra ter os primeiros artigos da teoria da relatividade restrita aceitos. Na época ele era funcionário do escritório de patentes da suíça e não tinha doutorado nem estava fazendo um.

A comunidade não queria aceitar a relatividade como trabalho de doutorado porque era muito distante do que se tinha até o momento. Einstein só foi aceito no “programa de doutorado” quando concordou em mudar sua pesquisa pra algo bem menos impactante. Se não me engano tinha algo que ver com a quantidade de moléculas em gases e o numero de Avogadro. Só depois de passar no crivo acadêmico ele começou a ter os artigos aceitos. ISSO COM EINSTEIN!

Olha só esse trecho, até com algumas palavras do próprio Einstein. Tudo há mais de 100 anos!

“Se, em vez disso, ele tivesse arranjado um emprego de assistente de professor, poderia ter sido pressionado a preparar artigos seguros e tomar muito cuidado antes de desafiar noções aceitas. Como ressaltou depois, a originalidade e a criatividade não eram as principais qualidades necessárias para a academia, sobretudo nos países de fala germânica, e ele seria pressionado a se adequar aos preconceitos e ideias de seus superiores. “Uma carreira acadêmica em que a pessoa é forçada a produzir textos científicos em grande quantidade gera o risco da superficialidade intelectual”, disse.”

Walter Isaacson — Einstein: Sua vida, seu universo

É a mesma coisa até hoje, cem anos depois! A academia é uma maquina de triturar pessoas, como qualquer grande instituição. Não tem saída fácil.

RESUMINDO: Defina seus critérios do que é um trabalho digno, sem se distanciar muito da sua comunidade científica, ao menos enquanto você estiver no início; Segue trabalhando; Segue submetendo artigos relatando os resultados dos seus trabalhos e pegando feedback; Segue questionando o seu trabalho, mas somente até o ponto que os questionamentos levem a ações concretas, do contrário você acaba entrando em um processo de auto sabotagem; Segue executando as ações de melhoria; Conversa com outras pessoas (dentre elas seu orientador(a)) se a coisa ficar muito pesada; Por fim, apresenta o melhor que você conseguir dentro das suas limitações. Caso esse texto tenha sido útil, seria legal se você pudesse dar alguns “claps” para ajudar a divulgar na comunidade.

No twitter (@brunocartaxo) estou sempre conversando e postando sobre a vida de quem faz mestrado e doutorado, inclusive focando em pessoas que atuam no mercado. Se tiver interesse, me segue lá.

Updated: