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Esse texto faz parte de uma série onde compartilho minha experiência de ter tocado um mestrado e doutorado tendo vindo de uma carreira no mercado de desenvolvimento de software.

Já listei várias coisas que um profissional do mercado tem a ganhar fazendo um mestrado/doutorado. Também falei sobre como o mercado e a academia são mundos diferentes e por isso apontei o que gostaria de ter entendido antes de entrar nessa de fazer pesquisa.

Mas aí a gente poderia se perguntar…

Será que não tem nada da minha experiência no mercado que seja válido trazer pra essa minha saga científica?

Só tem!

Trabalhar no mercado de desenvolvimento de software e fazer um mestrado/doutorado não é fácil. Além da dedicação é preciso muita adaptação. São mundos bem distintos. Mas pode crer que quem vem do mercado e se mete na academia tem várias vantagens. É só saber usar a experiência aseu favor.

Já falei um bocado sobre os vários ganhos de ter uma experiência de pesquisa acadêmica. Agora vou puxar a sardinha pro mercado. Sei que vou ser superficial e fazer generalizações em vários pontos. Ok, é o preço que se paga ao tentar se comunicar com dois mundos tão diferentes.

MÃO NA MASSA Pessoas que trabalham no mercado são exímios em tirar ideias do papel e torná-las realidade. Costumam meter mais as caras. Se você entende o que se espera de uma pesquisa de mestrado/doutorado é “só” uma questão de executar.

O danado é que normalmente quem vem do mercado demora um pouco pra entender o que se espera dele na academia. Rompendo essa barreira, você tem uma vantagem e tanto sobre seus colegas puramente acadêmicos.

Fonte desconhecida. O tempo da ciência de fato é diferente do tempo do mercado. E tem que ser. Mas quem é puramente da área de pesquisa às vezes sofre de uma certa falta de objetividade. Principalmente quando ainda está no início da carreira acadêmica (aka no mestrado/doutorado). Quem é do mercado normalmente mete logo a mão na massa e faz as coisas acontecerem.

ATITUDE PROFISSIONAL Quem vem do mercado tende a agir de uma forma mais profissional. Pra mim aquilo era um trabalho como qualquer outro. Tinha algo a fazer e precisava entregar no tempo e qualidade esperados usando somente os recursos disponíveis. Não me via como um estudante que espera o professor definir as coisas. Eu era o responsável pelo meu mestrado/doutorado dar certo.

Na academia percebo uma certa postura “estudantil” dos alunos de mestrado/doutorado que nunca tiveram experiência prática. Às vezes falta um pouco de maturidade. É até compreensível. Mas quando você junta isso ao fato de na academia existir uma certa hierarquia velada e uma cultura excessivamente cerimoniosa… daí você tem um terreno fértil pra um comportamento um tanto quanto amedrontado ou subserviente por parte dos alunos.

A vivência de mercado faz com que você não dê muito cabimento a essa rigidez acadêmica. Você até vê todo aquele mise en scene. Mas dá uma de gasparzinho e passa através de tudo aquilo sem se afetar tanto.

Só cuidado pra não errar a mão. Existe uma linha tênue entre usar o olhar do mercado pra não se perder em jogos desnecessários e ser desrespeitoso ou quebrar regras importantes pra o bom funcionamento da academia e da ciência. Sejam regras explícitas ou implícitas, muitas vezes elas tem um motivo de existir e não deveriam ser quebradas.

CAPACIDADE DE PLANEJAMENTO E EXECUÇÃO No meu mestrado/doutorado, tava sempre definindo metas, quebrando atividades, planejando e executando. Todo começo de ano tinha mapeado os locais que queria publicar artigos, datas, temas a serem explorados e potenciais colaboradores. Durante o ano ia ajustando à medida que as coisas iam andando. Pesquisa tem alguns componentes a mais de incerteza que dificilmente há num projeto de software. Há de se adaptar o método de gerenciar o projeto.

Fonte desconhecida. Publiquei muitos artigos em conferências e revistas internacionais bem relevantes da minha área de pesquisa. Artigos publicados são a moeda da academia. Vá para sua defesa com vários artigos de qualidade publicados e tenha a certeza que as coisas serão relativamente calmas. Vá sem nenhum e saiba que o risco do sarrafo ser grande é bem alto.

Não quero entrar no mérito aqui sobre corrida de números de publicação. Se publicar artigo de fato mede um bom pesquisador, ou questões derivadas. Isso é tema pra uma outra conversa, que provavelmente diz muito mais respeito aos colegas acadêmicos.

Sempre tive um bom reconhecimento do meu orientador, de outros professores e dos meus colegas de pesquisa, como alguém que produz muito e com qualidade. Devo um tanto disso aos meus bons anos de desenvolvedor, líder técnico e gerente de projeto no mercado de software. Nos textos anteriores, depois de falar do tanto que quebrei a cara, acho que um pouco de crédito faz bem.

Certa vez, quando tava com um prazo apertado pra submeter um artigo, convidei um amigo pra me ajudar. Cheguei nele com um diagrama de gantt. Tava lá todas as atividades do que era necessário fazer pra fechar a pesquisa, escrever e submeter. Tudo quebrado em microatividades pensando em terceirizar o máximo possível.

O uso do diagrama de gantt é só um exemplo. Não tô muito aí se tá fora de moda. Naquele momento foi útil. Em outras ocasiões já usei princípios de Scrum, Kanban, Brainstorm, Grupo Focal, Issue Trackers e muitas vezes somente o bom e velho Bloco de Notas resolvia que era uma beleza.

Meu amigo tomou um susto. Disse que nunca tinha visto alguém planejar as coisas daquele jeito na academia. Só via aquilo nas aulas de engenharia de software mas achava que ninguém usava. Overplanning e micromanagement é algo normalmente ruim. Mas nosso tempo e recursos eram escassos e o feeling me disse que aquela forma de encarar daria certo. E acabou dando mesmo.

TRABALHO EM EQUIPE Pra ser justo, o negócio só deu certo porque eu sabia que meu amigo é um puta pesquisador. Até isso devo à minha vivência no mercado. Montar equipes boas sempre fez parte da ordem do dia. Já na academia é comum nem se pensar em envolver outras pessoas. Seja pelo hábito de trabalhar sozinho, seja porque às vezes se tem um postura de querer o protagonismo para si.

Sempre que vou começar uma pesquisa, a primeira coisa que penso é: quem posso convidar pra colaborar? Conhecido ou desconhecido. Não tenho receio de convidar desconhecidos. Se não for uma boa experiência trabalhar com aquela pessoa é só não chamar na próxima. Faz parte. Já conheci pessoas fantásticas dessa forma. Até hoje são excelentes parceiros de pesquisa e alguns até viram bons amigos.

CONHECIMENTO DE PONTA Na computação existem algumas áreas que a academia tende a estar à frente do mercado. Atualmente assuntos relacionados à Inteligência Artificial e Ciência de Dados são bons exemplos. Grandes empresas como Google, Facebook, Amazon, etc estão sempre caçando talentos dentro das universidades. Sejam professores ou alunos de mestrado/doutorado.

Já em outras áreas, o mercado que dita as tendências. Em engenharia de software atualmente funciona assim. A academia acompanha o movimento do mercado com um pouco de atraso. Via de regra, a intenção não é inventar algo novo. A ideia é se aprofundar em algum fenômeno que não é bem compreendido pra tentar explicá-lo com base científica. Outra abordagem é investigar se certas modas que o mercado adora criar de tempos em tempos tem de fato a eficácia/eficiência que costuma-se alardear, também através de evidências científicas.

Se a pesquisa do seu mestrado/doutorado se encaixa no segundo tipo, você tem a grande vantagem de trazer conhecimento de ponta do mercado sobre práticas que a academia ainda nem tá ligada que existe. Daí você pode propor estudar e ser um pioneiro nesse assunto no meio acadêmico. Taí um caso claro de experiência do mercado sendo trazida de maneira quase direta para a academia. Só cuidado pra não cair na cilada de achar que vai abordar essa prática ou técnica da mesma forma que você fazia no mercado. Se fosse assim, pra quê fazer um mestrado/doutorado? Você vai investigar sob um olhar científico, que é bem diferente. Não canso de apontar o texto que discute sobre essa diferença pra evitar frustrações.

Por fim, mais uma vez, é sempre bom lembrar que muito das limitações que mencionei sobre o olhar acadêmico “puro” são generalizações. Posso afirmar sem medo que já me cruzei com pessoas extremamente hábeis no meio científico. Mesmo sem terem qualquer experiência prévia no mercado. Não se enrolam em jogos da academia e tem um olhar muito afiado. Felizmente na minha rede de colaborações estou cheio dessas pessoas. Procuro me cercar delas. Nunca cansarei de exaltar dois dos maiores exemplares dessa espécie. Um foi meu orientador de mestrado e de doutorado (Sérgio Soares), e outro foi co-orientador do meu doutorado (Gustavo Pinto).

No fim das contas a intenção aqui é mostrar as ferramentas que alguém do mercado já tem ao seu dispor e que pode ajudá-lo ao adentrar no mundo acadêmico. Sem dúvida tem margem pra falar de outras coisas. Mas acho que esse já é um bom começo.

Caso esse texto tenha sido útil, seria legal se você pudesse dar alguns “claps” para ajudar a divulgar na comunidade.

No twitter (@brunocartaxo) estou sempre conversando e postando sobre a vida de quem faz mestrado e doutorado, inclusive focando em pessoas que atuam no mercado. Se tiver interesse, me segue lá.

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